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Ecos da tragédia

Na cartilha do jornalismo profissional, o noticiário intenso sobre determinados assuntos chega a um ponto de saturação, quando as pessoas se sentem exaustas pelo bombardeio de informações e se mostram ansiosas por novos temas editoriais. A tragédia sem precedentes que se abateu sobre o Rio Grande do Sul pode se enquadrar nessa moldura, mesmo com as sucessivas ondas de novos e dramáticos acontecimentos, que renovam o noticiário de forma incessante.

O temor é que os episódios passem, em breve, a um segundo plano na agenda midiática, que influencia a percepção de urgência em torno dos episódios e predispõe as lideranças políticas a agir para reparar os pesados danos registrados. Há também o desafio de ir além das imagens impactantes, dos casos de grande apelo emocional, que envolvem pessoas e animais, para se debruçar sobre questões técnicas relacionadas à prevenção de fenômenos climáticos extremos.

No meio desse cenário complexo, o que se evidenciou com muita ênfase foram as paixões políticas em torno das ações de socorro aos gaúchos, com a reedição da agressiva polarização entre forças governistas e oposicionistas no ambiente das redes sociais. A mobilização que o governo federal promoveu desde o início das cheias em território gaúcho não foi suficiente para arrefecer o ânimo crítico daqueles que enxergaram uma atuação ineficiente do poder público, o que não poupou sequer as Forças Armadas.

A reação exasperada do ministro da Comunicação, Paulo Pimenta, que chamou de “fake news” a acusação de omissão do governo diante da tragédia climática e social, não chegou a contribuir de forma efetiva para minimizar os percalços enfrentados pelo Palácio do Planalto. As informações prestadas sobre as ações desencadeadas em favor das vítimas foram dispersas e reativas, sem uma referência clara no campo da comunicação oficial. Somente nesta semana entrou no ar um portal dedicado a centralizar essas informações.

O governo pareceu surpreendido pelos ataques desferidos nas redes sociais, como se a dimensão dos acontecimentos e seu caráter humanitário fossem um anteparo para conter a ofensiva de seus desafetos políticos. O rol de providências iniciais, como a primeira visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Rio Grande do Sul, mostrou a preocupação de evitar exemplos anteriores de indiferença diante da tragédia, algo que marcou o governo do ex-presidente Bolsonaro no período crítico da pandemia do coronavírus.

Mudanças e resultados

Essas iniciativas, no entanto, não pouparam o governo federal da percepção de desarticulação das diversas estruturas administrativas envolvidas no atendimento às vítimas e na formulação de planos de reconstrução da região atingida. As críticas que se avolumaram à área da comunicação conduzida por Paulo Pimenta, mesmo que justificáveis, quase sempre resvalam para a ideia de que ações comunicacionais são suficientes para sanar todos os problemas de gestão – o que, evidentemente, é uma falácia.

Pimenta acabou por ser designado para atuar como autoridade federal no processo de reconstrução do Rio Grande do Sul, uma atribuição que envolve desafios de grande monta e que atiça rivalidades eleitorais no estado. Os ajustes esperados na comunicação do Palácio do Planalto em decorrência dessa novidade devem resultar em novas peças publicitárias e estratégias de marketing. Os primeiros sinais da mudança já se fizeram sentir.

Se a maior eficiência na comunicação, no entanto, não for acompanhada por soluções concretas para os gigantescos desafios que se apresentam no Rio Grande do Sul, das questões climáticas às econômicas e sociais, o governo pode colher resultados frustrantes em termos de imagem e popularidade. Nas redes sociais, estarão não apenas seus adversários políticos como também cidadãos comuns que fizeram desse espaço aberto às críticas um território difícil de ser conquistado.

O governador Eduardo Leite teve uma amostra dos riscos de trafegar nesse terreno escorregadio ao manifestar o temor de que as doações generosas dos brasileiros de todos os estados para os gaúchos provoquem prejuízos ao comércio local. Com isso, feriu um dos aspectos positivos mais incensados nessa tragédia. A repercussão desfavorável de suas declarações foi imensa, em mais uma demonstração de que a comunicação exige atenção plena em todos os momentos. Leite pediu desculpas posteriormente, mas o estrago já estava feito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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